terça-feira, 31 de maio de 2011

Falando de forma poética sobre a perda


Neste ultimo sábado, 28 de maio, foi apresentado no Espaço de Cultura Sylvio Monteiro o espetáculo teatral “A noite em que ele não veio”. A apresentação foi pelo ‘Projeto Mostra Colisão’, que contabilizou ao todo nove espetáculos teatrais com oficinas/debates integradas após cada espetáculo. Com um cenário muito bem acabado, o espetáculo teve um belo repertório musical. Amariles (Carla Nunes) estava sempre a esperar por um amor a beira mar, como na noite em que ele, Raul (Madson Vilela), não veio, pois ali, não tinha alma. Um corpo vazio e um amor eterno. Que o mar o traga de volta, mas se não trazer, que junto à leve.

A história se passa no período da ditadura militar. Pescadores presos a uma ilha e contracenando com um protagonista essencial para o espetáculo, o mar. O grupo Nós da Baixada, oriundo do grupo ‘Nós no Morro’ que estabeleceu em 2007 por algumas sedes na Baixada Fluminense, encontra-se no Bairro Cerâmica – Nova Iguaçu. “A apresentação no Colisão Teatral contabiliza a quarta apresentação do grupo, que ainda busca uma identidade para crescer profissionalmente”, disse Anderson Dias, diretor do espetáculo e coordenador do espaço Nós da Baixada desde 2009.

O teatro permite essa construção coletiva, com pessoas tão jovens fazendo um trabalho teatral com seriedade, mostrando a vontade de realmente fazer teatro. O processo de criação do espetáculo teve duração de um ano e três meses. “Começamos pela leitura de ‘Ponto de partida’, do dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, onde a partir disso o elenco começou a pesquisar questões dramáticas desse texto para construir um objetivo”, disse Derson, como Anderson é conhecido por todos dentro do grupo.

“Nada surge do dia pra noite”, disse. Quebrando pedra por pedra para trabalhar com o teatro, o grupo tenta alçar novos vôos. “Desde 2005 temos o patrocínio da petrobrás, mas se não tivéssemos, não seria impossível criar o espetáculo, mas seria muito difícil”, concluiu Derson. Todo o processo foi complicado, conversaram com muitas pessoas para poder enriquecer o trabalho, relatando a questão da omissão ou a não ação de um cidadão no meio que ele vive.

Jessica Meireles e Marcelle Morais foram as autoras do texto. “As duas tem 80 por cento de participação na criação da dramaturgia, mas todos foram participando do projeto dando seus ‘pitacos’ para melhorar o processo”, contou Anderson, exemplificando que Rômulo criou a história de seu personagem. O objetivo do espetáculo é deixar cada espectador pensando no espetáculo e na temática que ele aborda. “Pensamos em um espetáculo e o Derson trouxe e proposta do ‘ponto de partida’, de Guarniere, a partir disso começamos a pensar em contar alguma coisa, passar para a plateia, algo que fizessem vocês pensar, assim como nos fez”, disse Jessica Meireles, que interpretou a personagem Dália.

Inicialmente foram muitos improvisos que geraram algumas cenas ainda presentes no espetáculo. O mar, um protagonista indispensável no espetáculo, foi tratado de forma poética como todo o texto. “Falamos dele como outro ser humano, e a linguagem poética foi uma coisa que fluiu de forma natural”, contou Marcelle Morais, interpretou o Pastor. Além do tipo de linguagem abordada no espetáculo, o mesmo, rompe o espaçamento temporal, juntando presente, passado e futuro. Uma história que relata a perda, o amor e preenche o tablado de mistérios.

Comentários principais sobre o processo de criação e o sentimentalismo, dos mesmos, em relação ao texto:

Ainon, pai de Raul (Thiago Zandonai) – “Quando o texto veio, achamos muito bacana e pesquisamos em todo seu entorno, o que acabou gerando uma bola de neve que a cada dia aumentava mais. Não gosto de personagens dramáticos, pois é uma deficiência minha, mas como ator eu tive que encarar e buscar o que eu tenho de melhor. Senti uma coisa tão paterna e comecei a me colocar no corpo dos parentes que perderam partes de sua família no período da ditadura militar. Fui me envolvendo tanto com meu personagem que coloquei o Raul como se fosse meu filho e eu estivesse sentindo aquela dor. Naquele momento eu ganhei o personagem, ou ele me ganhou”.

Raul (Madson Vilela) – “Para mim, o processo teve início logo quando o Anderson trouxe o texto e começamos a pesquisar tudo, e naquele momento uma coisa me instigou, e ainda é o que mais me instiga ate hoje. ‘Quem eram as pessoas que lutavam pela liberdade e davam a vida pela liberdade do povo? ’, essa era a questão. Até hoje eu pesquiso e minha busca é saber isso, como era essa coisa de peitar o poder, do por que o povo não tinha voz ativa. Meu trabalho é continuo e ainda não consegui finalizar meu personagem”.

Dália (Jessica Meireles) – “Para mim, em relação ao texto, quando começou o processo era muito distante, mas a questão da omissão presente no texto me ganhou e foi sobre isso que eu queria falar. Fui me deparando com omissões de todas as formas presentes na nossa vida, não só a omissão que existe no texto de Guarniere, mas sim, a omissão do amor, de perda. Percebi a covardia do Pastor em não contar o que ele sabe, e percebi o quanto ele foi covarde, porém voltei meu olhar para mim, e percebi o quanto eu sou covarde também. Questionei de que maneira, no momento que eu me calo, eu não dou mais poder aquela mão que bate”.

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